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Botucatu, 03 de Março de 2024

“Ser Negra”

Ser negra nesse mundo é aceitar que você nasceu com um peso e uma história nas suas costas, é entender que muitas coisas ruins irá fazer parte da sua história, é carregar uma luta constante dia após dia, e é saber que não importe o quão a gente tente explicar, elucidar ou até mesmo desenhar, nada irá adiantar!

Por muito tempo tentei negar essa realidade e acredito que muitos como eu fazem isso também, porque apesar de doloroso é o mais confortável! É aceitar o injustificável, é ter a ilusão de que você pertence aquele espaço mesmo que todas as provas apontam que não! Aceitar essa realidade implica em resistir, em lutar, em buscar e tentar mudar algo para que por um momento as pessoas parem de nos olhar diferente… E isso é doloroso, mas principalmente desgastante! É desgastante repetir o básico, desgastante apresentar o óbvio, é desgastante ter que explicar a mesma coisa várias e várias vezes! Mas sabe o que dói mais?

Ser anulada, “você está se vitimizando, não é bem assim que acontece”.

Ser questionada, “será que isso de fato aconteceu ou está aumentando as coisas?”.

Ser invalidada, “eu não acho que isso é racismo, você está exagerando”.

Não ser ouvida em sua própria narrativa, “mas a pessoa é tão bom duvido que tenha feito isso” (pessoa boa vulgo branca).

Ser negra é ser recebida com ódio e ter que responder com amor, ter que abaixar a cabeça, ter que negar e aceitar o que lhe é imposto. Porque mesmo que nós não tenhamos ódio, somos vistos como o detentor dele. Porque se respondemos com ódio, estamos entregando de mão beijara o exemplo do que eles tanto afirmam.

‘Fogo nos racistas’, “nossa, está vendo o quão eles são agressivos, eles querem matar os brancos”, “nossa olha como eles são monstros”, “eu sabia desde o começo eu vi pelo olhar”, “ela tem bem cara de barraqueira mesmo”.

Somos todos os dias recebidos com ódio. Somos todos os dias recebidos com raiva, invalidação, desrespeito, inferioridade, nojo, desprezo… Somos todos os dias recebidos com morte, histórias que um dos nossos passou por uma situação simplesmente ridícula por conta de sua cor. Histórias essas que apesar de não ser nossa, nos impacta, nos machuca, nos faz chorar, porque sabemos e já sentimos essa dor.

Quantas vezes eu não chorei por uma injustiça? Quantas vezes não chorei em meu quarto me questionando apenas o porque das pessoas não conseguirem enxergar e ouvir a nossa dor. Por que? Simplesmente, por que?

Poderia passar horas relatando sobre os racismos que já passei, como eu sei que haveria milhões de comentários dizendo “nossa, eu também já passei por isso”. Mas sabe o que mais me dói? É quando minha ficha cai que ainda há tanta gente com esse ódio.

Quase todo ano eu assisto o BBB, estou citando isso não porque me orgulho e acho isso incrível, não. Mas assisto, enfim… Só que é impressionante o quão todo ano em algum momento a pauta racial é abordada. E nao querendo dizer quem está certo nessa discussão, porque essa não é a questão. Mas sim o quão quando as pessoas debatem, independente da situação, voltado realmente para a questão, abre as portas para todo o tipo de racismo que você nem sabia que era possível.

E quase todo o ano essa ferida arde com cada comentário que eu leio, cada dor que eu sinto pensando em como o mundo parece que está cada vez pior.

Onde vamos parar? Me questiono. E confessor que tenho medo da resposta. E de novo, dói ver um dos nossos recebendo tantos ataques, mas o que mais dói, é saber que se algum dia você se encontrar em uma situação parecida, ou até mesmo nas mais ridículas da situação, é ter a certeza de como você será tratada, de como será vista, e do quão farão você se sentir culpada por ter nascido com o seu tom de pele.

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